terça-feira, 24 de maio de 2011

CARÁTER E DONS

É empolgante estar na igreja nestes dias. Deus está tomando uma nova iniciativa, e está mostrando a quem quiser saber, que seus planos para sua criação não foram descartados. Pelo contrário, seu grandioso desígnio ainda permanece de pé, e nestes últimos anos tem surgido uma gama muito variada de dons concedidos à igreja a fim de que ela cumpra a sua tarefa.

De repente, ao que parece, nosso plácido equilíbrio e nossa capacidade de previsão sofreram uma série de golpes que eu espero seja fatais. Ao lado dos dons provados e testados do pastor e do mestre, tem surgido o dom profético que, embora seja recebido com cautela em muitos setores, está constantemente ganhando mais confiança. Até mesmo a palavra “apostólico” não é inconcebível em nossos dias e pode ser sussurrada em algumas fortalezas tradicionais outrora inexpugnáveis.


Os dons de cura estão experimentando um novo sopro de vida e as expectativas das pessoas por milagres estão sendo erguidas de tal forma que serão, sem dúvida, precursoras da fé. Além de tudo isto, em cada novo dia vê-se uma nova safra de dons espirituais sendo colhida por aqueles que têm a simplicidade de recebê-los. A superfície tranquila da igreja está sendo perturbada pelas pessoas que falam em línguas estranhas para expressar o louvor recém-descoberto, e por outras que, ao profetizarem pela primeira vez, retomam o tema já iniciado: “Estou convosco, diz o Senhor”.


Então nos deparamos com os problemas. Alguém que já nos abençoou e nos desafiou através de um livro seu que atestava a confirmação miraculosa de Deus sobre o seu ministério, agora está profetizando num tom apocalíptico e ao invés de edificar a igreja está sujeitando muitos à escravidão do temor do futuro.


Descobrimos que aquele homem maravilhosamente espiritual que falou numa conferência que assistimos, e que trouxe cura a tantos relacionamentos quebrados através de profecias pessoais e discernimentos espirituais, agora está divorciado e vive com sua secretária.


Infelizmente, seria fácil multiplicar estes exemplos. Eles deixam-nos perplexos, e então rapidamente procuramos tirar conclusões superficiais a fim de encontrar segurança enquanto a terra sob nossos pés começa a se fragmentar.


“Eu sabia”, diz um homem à sua esposa, com o tipo de expressão no rosto que indica que não sabia de coisa alguma. “Havia algo estranho nos olhos daquele sujeito que profetizou sobre nós. Nunca mais quero vê-lo.” E assim, ao bloquear sua mente, este homem está em perigo de rejeitar uma profecia que poderia salvar o seu próprio casamento.


Como devemos pensar nestas situações? Como podemos compreender a contradição


de um Dom divinamente concebido sendo exercido por uma pessoa com caráter duvidoso?


É estranho, mas a pergunta contém a chave da resposta, a saber, a separação destes dois aspectos: caráter e dom. É a confusão desses dois que nos leva a crer que manifestações sobrenaturais é evidência de caráter piedoso. Na realidade, os dons que


Deus concede às pessoas não é necessariamente uma prova da sua integridade. Podemos entender isto com bastante clareza se considerarmos talentos “naturais”, como por exemplo, dons musicais. A capacidade divinamente concedida de tocar piano pode ser empregada para promover o bem ou o mal. O Senhor não tira a capacidade de cantar quando alguém usa sua voz para promover o mal.


A confusão surge porque no nosso pensamento temos feito uma divisão entre dons naturais e sobrenaturais. Temos a tendência de pensar que receber uma capacidade sobrenatural é uma espécie de galardão, um selo divino de aprovação sobre a qualidade de vida de uma pessoa. Mas não necessariamente assim.


Quando reconheci a diferença entre caráter e dom pude compreender algo que há muito me perturbava. Era a observação de que em certas igrejas praticamente mortas, havia alguns cristãos mais idosos cuja comunhão íntima com Deus era evidente e cujo caráter era irrepreensível, mas que mesmo assim não produziam nenhum efeito visível sobre a situação na igreja no sentido de revivificá-la.

Comecei a reconhecer que caráter sozinho não edifica coisa alguma. Antes, caráter é o alicerce sobre o qual os dons realizarão a tarefa. Por outro lado, se empregamos nossos dons para edificar sem o alicerce do caráter, o que edificamos será inseguro e provavelmente


desmoronará. Isto explica o que aconteceu com o “homem maravilhosamente espiritual” que usei como ilustração. Ele tentou edificar o reino de Deus nas vidas das pessoas através das capacidades sobrenaturais que Deus lhe deu, e conseguiu até certo ponto. Mas ele estendeu suas operações além dos limites do alicerce do caráter na sua própria vida e como resultado se arruinou.


Quando reconhecemos a distinção entre caráter e dom podemos ver a necessidade de ter os dois trabalhando juntos. O ideal é que isto aconteça em cada indivíduo. Mas há também a possibilidade de uma pessoa com dons reconhecer uma fraqueza no seu caráter, e mesmo assim ser liberada para funcionar na igreja por estar ligada a outras pessoas que, apesar de não possuírem o mesmo dom, têm a integridade de caráter necessário para exercer uma sábia supervisão sobre o seu funcionamento. Este é outro aspecto do corpo de Cristo, um grupo de pessoas relacionadas entre si que descobriram na prática que precisam umas das outras, e não só porque leram sobre isto nas Escrituras. Celebridades independentes e estrelas errantes não são o que Deus está procurando na igreja.


Não faz muito tempo que um dos nossos líderes locais estava dirigindo outro grupo a alguns quilômetros de distância de nós. Gradativamente conscientizara-se de que precisava da “cobertura” de outros irmãos que pudessem orientá-lo no exercício dos seus dons poderosos de modo a evitar os problemas que ele agora se acostumara a esperar. Agora seus dons de intuição e sua iniciativa estão sendo liberados, mas ele mesmo reconheceria com gratidão que estes irmãos não deixam passar um problema sequer sem tratamento!


É importante não reagir para o outro extremo quando as coisas dão errado. É fácil demais dispensar dons dados por Deus como sendo “do diabo”. Às vezes, evidentemente, pode haver um espírito errado na motivação, mas vamos discernir entre esta situação e uma outra onde simplesmente houve falta de sabedoria. Se houver necessidade de correção, vamos procurar tratar com o caráter e não com o dom. Pode ser necessário aconselhar que o exercício do dom seja suspenso por um tempo, mas que isto venha do desejo de vê-lo usado com maior efeito ainda e não porque nos sentimos ameaçados por ele.


Se a igreja há de produzir um impacto sobre o mundo, ela precisa ser pelo menos tão espetacular quanto à igreja primitiva, e provavelmente mais do que ela. Para a maioria das pessoas hoje a igreja é irrelevante – mesmo aquele pedacinho “vivo” onde eu estou. Elas não se opõem à igreja – simplesmente nem estão pensando nela.


A minha visão não é de uma proliferação de igrejas carismáticas que incorporam línguas estranhas e profecias nas suas reuniões ao lado dos elementos tradicionais. Eu anseio por ver o aumento de dons poderosos, não para formar organizações evangelísticas ou cruzadas de cura divina, mas para trazer a cura para a cena de um acidente; para expulsar demônios no meio de uma multidão num centro comercial; para levantar uma voz profética nos meios de comunicação, especialmente na televisão, que seja tão diferente dos programas evangélicos atuais quanto o seria um filme de horror, a fim de criar mais uma vez no povo a consciência da realidade de Deus.


Confesso que ainda não estou preparado para isto. Mas a minha oração é que o Senhor crie em mim uma profundidade de caráter que sirva como âncora para os dons mais significativos. Que eles nos edifique para formar uma comunidade de pessoas íntegras que possam desafiar os padrões ímpios dos nossos dias com recursos sobrenaturais.